Amor parece clichê, mas é para ser

A vida que me cerca hoje, já em minha infância acontecia de um jeito bom e esperto. Não sei bem por quê, mas minha diversão preferida era observar os adultos, eles eram muitas vezes arena de minha incansável imaginação. Conversa de adulto era um quebra-cabeça danado, contudo, era melhor que jogar bolinhas de gude com os carinhas. Enquanto os outros meninos adoravam exibir seus brinquedos da Estrela, eu fazia os meus próprios brinquedos, enquanto eles amavam jogar bola, eu não via a menor graça e ainda achava estúpido, enquanto traficavam revista Avon para verem mulher de calcinha e sutiã nos anúncios, eu lia (de fachada) alguma revistinha do Tio Patinhas em baixo da mesa da sala, apenas para ver a calcinha das amigas da minha mãe que iam jogar conversa fora à tarde. Convenhamos que às vezes acontecia de elas estarem de calça, atrapalhando a minha pesquisa sobre o tema, o que me deixava emburrado em algum canto... O fato é que sempre arrisquei mais que os carinhas(...). Ê tempo bom! Tempo em que eu era um menino buchudo, dotado de invisibilidade, com hora certa para entrar embaixo da mesa. Por ser invisível, ouvi muitas conversas de adultos e tem uma frase que eu nunca esqueci: “Amor é uma flor roxa que nasce no coração dos trouxas”. Desde pequeno eu sabia que tinha alguma coisa errada com esta informação, era uma afirmativa de quem não havia vivido um amor, não enxergava o amor como um encontro. Eu já vivia apaixonado não sei pelo quê, mas vivia.

Hoje eu sei... O amor é a palavra que penetra silenciosamente na alma, é a alma banhada pela palavra, é o movimento impensado da língua no espaço da boca. Talvez nem seja isso, seja apenas um contentamento, uma acomodação de olhos sorrindo no cantinho da boca. Não entendo de amor, percebo apenas o meu amor e o julgo como um acontecimento raro, ele se propaga como a onda de rádio viaja pelo tempo ao encontro do ouvido que lhe acolha, parece clichê, mas é para ser, senão não seria amor. O amor vai além de um encontro ao acaso, além de um olhar que se cruza na esquina, vai além dos bons roteiros e das músicas de chorar, vai muito além de um déjà vu, do já visto. O amor é uma soma de valores e energia que foram depositados em você num passado, talvez muito distante, e fica lá, esperando que seu dono apareça, esperando por alguém que o decifre. Este amor descansa dentro da gente e há um amor destinado a cada coração.

Amor é poesia intangível, mas também é beijo nos olhos, afago no cabelo, é rir de coisa besta e engraçada, é lavar um prato, forrar uma cama, é dizer que o cabelo está lindo desse novo jeito, é pensar que hoje é seu último dia perto dela e viver assim, aproveitando cada segundo.

Amar é o nascimento da inconcreta visão de um dia mais doce, é um bom samba cantado por Marisa Monte, é um pôr pra fora algo que não é seu, como o bebê que tem que sair depois de nove meses, você apenas administra. Sou um espaço que ela conhece muito bem, sabe andar até de olhos fechados, sabe onde ficam as luzes e onde se guardar dentro de mim. Não sei como, mas ela sabe direitinho quantas estrelas há no meu céu, sabe o momento certo de pôr flores em minha janela, tem o dom de decorar minha alma com a arte que me agrada. Para você o amor pode ser outra coisa ou pode ser mais que isso. Seja como for, viva e permita esse amor em sua vida, permita que ele venha dançar com você, como o vento dança com as palmeiras imperiais num dia bonito.

Allê Barbosa

25 de Novembro de 2007