Armazém Cheio de Assunto

Para quem gosta de pensar no sim e no não, no antes e no depois, o "Armazém" é o lugar certo. Pode entrar, beba da minha "cachaça" sem parcimônia... Este é um Blog com crônicas afetivas que tenho escrito ao longo de um tempo, ou talvez, um ópio que produzo e uso.

terça-feira, outubro 25, 2011

Agora que você me ensinou a gostar de você, não espere que eu saiba como não gostar...



É um tipo estranho de sensação; aquela de querer comer o seu sorriso, degustar seus movimentos em minha direção, devorar seu jeito de sorrir pra mim. É gostoso sentir que o seu olhar é macio e quando ele me olha eu estou realmente seguro... Mas também o quero fazendo parte de mim. Quero comer você!

O amor, quando plantado em solo fértil cresce com propriedades milagrosas e medicinais, mas não é só isso, ele evolui para uma condição que desperta qualidades antropofágicas em pessoas que passaram pelos portões do jardim que eu não sei o nome, mas é onde estou. Ninguém sabe como chegar e muito menos onde fica esse lugar, apenas sabe-se que em algum momento paramos em frente a esses portões, e convém atravessá-los.

E toda vez que o sol nasce, nasce também esse desejo incompreensível de querer lhe trazer para dentro de mim, e nada mais faz tanto sentido quanto a veemência da cor desse desejo ensurdecedor. Sofro de uma vontade doida de devorar sua beleza para ter um pouco mais de você circulando em minhas veias, como se isso fosse acalmar a minha necessidade de você em mim. Isso não tem nada a ver com comer a sua carne, isso seria canibalismo, ou numa definição sexual, uma espécie de sexo apenas por instinto. Te devorar tem a ver com comer a sensação boa que você me causa, comer o som das suas palavras mais gostosas.

Eu sei, é um comportamento puramente egoísta. Entretanto, se você me alimentar bem, e com o que eu preciso, posso cuidar melhor de você, meu amor.

Você tem a incumbência de produzir sorrisos todos os dias para minha mesa, são sorrisos que colho com cuidado, sutilmente sem que você perceba, e me alimento deles, é isso que me deixa mais perto do cheiro que lhe identifico, perto dos seus anseios e em pleno contato com sua feminilidade.

Viver com você é despertar uma enorme curiosidade sobre mim. Como você pode me conhecer tão bem? Como você pode ir e vir tão desenvolta dentro de mim sem esbarrar nos alarmes que me protegem? Não sei. Contudo, agora que você me ensinou a gostar de você, não fique pensando que eu saberia não gostar de você...

Allê Barbosa

25 de Outubro de 2011

sábado, setembro 10, 2011

Mordida de ciúme



Ciúme... Dizem que em doses a contar gotas é bom para os casais. Se o seu relacionamento fosse uma maçã, e o ciúme fossem os dentes que a mordem, esta sua maçã ainda teria a imagem polida e brilhante de uma maçã virgem, ou já teria sido devorada por seu parceiro? Dizem também que o ciúme é despertado em você, não apenas pela sua própria necessidade de por GPS nos olhos do seu parceiro, mas também pela conduta dele... Vamos pensar um pouco!

Não podemos negar o fato de naturalmente sentirmos ciúme, é como a voz humana ecoando e cortando o ar à nossa volta. Nascemos querendo ser donos de todas as coisas que nos interessam; dos amiguinhos, dos pais, dos irmãos, das chupetas, dos brinquedos, dos nossos pequenos territórios. Talvez seja uma fuga ilusória para aplacar a verdade: nunca fomos e nem seremos donos de nada, nem nós mesmos temos a nós. Depois de adultos, alguma convenção ensina que esse desejo desenfreado de possuir a alma alheia tem que continuar, principalmente dentro dos relacionamentos, como se o ciúme gerasse alguma verdade capaz de fazer com que a outra pessoa, exatamente pelo ciúme, permaneça junto de nós.

O ciumento desconsidera a individualidade, na verdade, ela é a pedra que atrapalha o andar dele pelas ruas das suposições tolas. O ciúme cria uma redoma fantasmagórica que impede que o ar renovado entre pela janela da relação, é esse ar que oxigena o sangue do casal e traz renovo. Eu penso no ciúme como um organismo semelhante ao fungo, que vai se desenvolvendo, ganhando corpo e tamanho até evoluir para uma doença que vai tirar toda a sua sensibilidade, extraindo sua capacidade de diferenciar o que é real do que não é. Doente, pode ser que numa questão de tempo seu relacionamento saudável morra à míngua, pesando poucos quilos. As pessoas ciumentas partem em defesa do ciúme dizendo: “Ah, mas um pouquinho de ciúme é bom, pra manter a chama acesa, é um cuidado bem vindo”. Seria uma boa justificativa se o ciúme fosse bom em si, se dele viessem coisas boas ao contrário das intermináveis brigas. Ao invés de cultivar mais um pé de ciúme na plantação, se pergunte quem sai lucrando com seu ciúme, e esta pergunta lhe leva a outra: o que esta pessoa que divide sua vida comigo espera de mim? As duas respostas seriam um farol norteador da relação, um caminho virgem de boas possibilidades. O fato é que eu nunca ouvi alguém dizer: “Droga, acabei o meu namoro porque ela não sentia ciúme de mim”, mas já ouvi dezenas de pessoas dizendo que terminaram porque o outro era muito ciumento. Talvez, no caso de ouvir algo do tipo “Ela não sente ciúme de mim”, provavelmente esta pessoa tenha um prazer mórbido quando o parceiro arma barraco, faz cena e estapeia qualquer um por ela, esse desvio faz ela pensar que isso é ser amada, que o outro se importa com ela. Não posso considerar esse comportamento saudável.

As pessoas sentem ciúme porque amam. Então, vamos pensar um pouco no amor, o que é o amor? Se existisse apenas uma resposta ficaria tudo resolvido, portanto, desconfie quando alguém disser que sabe exatamente o que é o amor. Eu poderia dizer que o amor não pode ser pintado num quadro, poderia dizer que não existe tinta que o retrate com fidelidade, e isso encerraria a questão. Mas opostamente a isso, eu poderia também pensar que o amor é, sim, algo definível por tintas, e que essas tintas lhe criam texturas, o colorem com infinitas possibilidades e profundidades. Entretanto, independente do que seja amor pra você, e do paradoxo em que ele está alicerçado, ele perde o sentido e efeito reparador diante do ciúme. Dentro de uma dessas possibilidades, penso no amor como o canto, a transformação da voz em beleza. Cantar é uma invenção humana, um gás hipnótico, uma grande sereia que encanta os nossos ouvidos. Entretanto, o canto é antinatural, é como respirar com equipamentos de mergulho em baixo d’água. A voz se desenvolveu para falar, isso graças a um complexo emaranhado de músculos, articuladores, cartilagens e tubos. Em algum momento esse aparelho da voz precisou ser domesticado para que acontecesse o canto, o lúdico da vida, a poesia em música. Posso pensar no amor com esse canto, essa maravilhosa invenção humana, essa distração para nossos corpos e mentes. Então, de igual modo, posso pensar na voz como sendo o ciúme, a parte natural da emissão da fala. Naturalmente, o ciúme se traduz em medo de perder quem tanto a gente ama, medo da rejeição. O ser humano nunca terá conforto diante da rejeição. Todavia, esse amor, como o canto, não deveria aplacar toda essa sensação de insegurança dos casais? Não foi para isso que ele foi criado? Se eu amo, logo tenho as ferramentas pra engolir esse ciúme e ele não me fará mal. É atrativo pensar que o amor poderia ser uma invenção da sociedade, um jeito de transportar o individuo para um ambiente menos nocivo à individualidade, uma moeda valiosa que se contrapõe com o ciúme, que é aqui a natureza humana, de ser dono das coisas, um instinto animal.

Quando o ciúme se instala entre duas pessoas, nada fica como era, pois ele rouba alguma coisa importante que mantinha o fluxo de informações funcionando. O ciúme é um artista incapaz de criar algo que seja realmente bom, uma música que fale ao coração, algo que seja prazeroso, que faça a relação sair ganhando. Nos casos mais extraordinários, ele nasce quase sempre de uma situação irracional, de um olhar que não existiu, de uma estória criada em minutos com todos os detalhes, personagens e significados. O ciumento se coloca como o delegado da cidade, o segurança da relação. A relação do ciumento é como uma boate em que ele fica na porta dizendo quem entra, protegendo a integridade do seu amor. Intervir numa situação em que um copo de ciúme foi destilado é acreditar que seu amor, o objeto do ciúme, é uma “coisa” que não sabe se defender, que depende de você para tal. Sentir ciúme de coisas é estranho, mas até compreensível, ora, as coisas não sabem se defender de terceiros mal intencionados, por isso botamos senhas, alarme nas casas, no carro. A ideia de que somos donos das pessoas só não é mais ridícula do que a ideia de que precisamos ter um dono para ser feliz.

Criamos uma sociedade em que as pessoas são dependentes de máquinas e carentes de pessoas. Cada vez mais estamos nos isolando dentro dos redutos de fibra ótica e andando como zumbis nas ruas reais. Sinto que existe uma necessidade urgente de contato, de afeto no aspecto real. O ideal sobre alguém estar junto de você dividindo a vida, os pensamentos, o copinho da escova de dente, às vezes repousa num cenário melancólico. Neste mesmo cenário está a certeza de precisar que alguém sinta ciúme de você para saciar sua necessidade de se sentir amado e importante, desejado e cortejado. É um descompasso racional se sentir dono de alguém para ter seu ego alimentado, seu desejo de posse nutrido. E tudo no fim das coisas se resume a isso: a posse. Quem é dono tem poder sobre o objeto ou a pessoa e pode fazer o que bem entender. Não existe nada mais sedutor do que o poder, e uma relação em que as ligações estão norteadas pelo poder que um tem sobre o outro, é quase impossível dar certo. Na falta de uma explicação melhor, equivocadamente, o ciúme que mantém as pessoas juntas é o mesmo que as separam. Quando o equívoco começa ser algo natural do dia a dia, o inequívoco passa a ser uma estranha possibilidade. É impossível não sentir ciúme, mas que seja precisamente pelos motivos certos.

Allê Barbosa

04 de Outubro de 2011

quarta-feira, agosto 17, 2011

Orgasmo fingido: uma guerra perdida?


Em algum momento acontece um olhar, uma luz se acende, um fervimento de sangue sucede e imediatamente se congela, e então um desejo de estar dentro da outra pessoa dá inicio a uma jornada incerta. Este encontro pode acontecer na fila do supermercado, na fila do pão, no stress do trânsito, na livraria ou no local mais clichê possível, um barzinho ou uma balada de sexta. Está lançada a sorte mais uma vez, onde olhares, telefonemas e emails são trocados diariamente, e então chega o dia da primeira partida oficial valendo pontos no campeonato sexual. A grande noite enfim chega, com direito a marquinha de biquíni feita no porto da Barra, calcinha sexy que homem gosta, óleos de banho, depilação em dia, hidratante envelopando a pele macia, porém, as preocupações latentes em agradar saltam aos olhos.

Geralmente é nesse momento em que acontece o primeiro orgasmo fingido da relação. A primeira transa, por mais que seja interessante, nem de longe é a melhor transa, é no máximo a constatação de que ambos têm potencial para botar fogo na alma um do outro, elevá-la a um nível acima. A primeira vez que um casal transa é como uma entrevista de emprego, não se pode ser promovido a gerente numa entrevista de emprego. Entretanto, cada um traz tatuada na pele uma necessidade imperativa de agradar, não um agradar que leve em consideração a necessidade do outro, ressaltando um traço singelo de generosidade, mas creio que seria uma necessidade por egoísmo, para mostrar que se é bom o bastante, que o outro não vai esquecer aquele momento. “Ah, eu sou foda! Ela não vai me esquecer mais nunca depois de hoje, vou mostrar pra ela a minha potência”. Talvez esse pensamento de ser melhor que o parceiro anterior seja mais do universo masculino, atestando uma rivalidade velada entre os machos. Penso que homem estraga a primeira transa por excesso de confiança, e a mulher contribui com a falta da mesma. “Se eu fizer isso, o que ele vai pensar que eu sou? Avemaria, nem quero falar nesse nome...”, “Será que ele pensa que faço isso com todos?”, “Não posso deixar que ele ache que sou piriguete, afinal, quero segurar esse...”. Todo esse diálogo acontece secretamente entre olhares dos dois novos desconhecidos, entre a pele que pode até ter traços de suor, debaixo dos lençóis que até cobrem carinhosamente os mesmos corpos, mas tudo isso não consegue resolver o problema mais importante: o homem ainda não tem a senha do orgasmo da mulher. Isso não vem assim facilmente numa caixinha de presente. Embora ela fique úmida, o queira mais que tudo, não se pode ingenuamente achar que gozar seja uma questão matemática de apenas estar molhada. Ao contrário disso, é uma questão de filosofia sobre entrega, não ainda a entrega do coração, do seu amor, mas um momento de entrega de carne, sua vagina, alguns sentimentos inerentes às leis da atração, sua tranqüilidade, sua intimidade, sua sinceridade sexual, seus tabus e os cheiros que só ela conhece. Uma mulher esperta entregaria tudo isso a um desconhecido? O fato de eles se falarem há alguns dias ou semanas, ele ter pago um jantar, dado algum livro que ela tanto queria, o credencia como conhecedor dos inúmeros caminhos do seu corpo? O que é mais lógico fazer para resolver um possível mal estar? Ficar dias esperando que ele descubra milagrosamente a sua senha? Não sei se isso seria bom. O que acontece na maior parte dos casos é que a mulher, diante dessa impossibilidade existencial, simplesmente finge que gozou. Não é por maldade que isso acontece, mas veja como um jogo político em que sempre é preciso um pouco de dissimulação. Neste caso, esse fingimento parece ser a melhor forma de garantir que possa acontecer de novo, até que essa senha seja ensinada ou criada... O homem fica feliz, a mulher se mantém preservada e livre dos possíveis rótulos.

O problema é que todo esse jogo político, que me parece indissociável do começo da vida sexual do casal, pode se transformar numa dissimulação permanente. Existe uma séria tendência de que muitas mulheres não cheguem ao orgasmo. É perfeitamente compreensível e tratável a porcentagem de 30% de mulheres que não sentem orgasmo por possuírem algum tipo de disfunção orgásmica, e as causas desse problema podem ser variadas: o não amadurecimento sexual, hostilidade inconsciente em relação aos homens, receio em relação à machucar a vagina pela relação sexual, falta de conhecimento sobre o próprio corpo, o sentimento de culpa originado na religião/criação, deficiência em assumir um papel erótico, temor à satisfação plena, medo de engravidar, traumas sexuais (abusos, ou perda da virgindade com muita dor), conflitos conjugais, depressão, falta de atração, são alguns dos motivos que uma mulher poderia não ter um orgasmo. 30% das mulheres que fingem por anos e anos para o parceiro, provavelmente o fazem devido a algum tipo de problema como esses que citei, ou até mesmo de origem biológica. Para o restante, aproximadamente 40% das mulheres que não têm orgasmo, mesmo sem nenhum problema, a culpa do não gozo é exclusiva do homem. E acredite, ainda hoje com tanta informação, muita mulher não goza.

Quanto mais a mulher amadurece, maior é a sua capacidade de ter orgasmo, melhor ela se conhece, melhor ela conduz uma transa em direção ao seu objetivo. Ela ganha o direito e a sabedoria de manipular o homem, não no sentido pejorativo, mas manipular em favor do seu próprio prazer, do controle de todo o cenário. Entre as mulheres que têm orgasmo facilmente, que têm parceiros atentos e são resolvidas sexualmente, é interessante pensar que ainda nas preliminares elas já têm orgasmo, geralmente silencioso e sem alarde, nada que fizesse o homem achar que seja o maior orgasmo que ela já teve, mas conforme a transa ascende e derrete o corpo, ela usa seus gemidos com mais intensidade quando percebe que seu parceiro está tendo um orgasmo, inexplicavelmente ela geme mais nesse momento do que no próprio orgasmo dela. O homem funciona achando que esse momento é também o orgasmo dela e ela faz isso para dar mais prazer ao homem. É um momento que sobre o qual pouco se fala. Ele acha que a leva aos pés da deusa Afrodite e ela pensa: - “bobinho!”. O fato é que esse caso não é um caso típico de fingimento, é uma brincadeirinha engraçada de adultos, se levar mais a sério, talvez seja uma má interpretação de sinais, uma vez em que ela já pode ter gozado várias vezes sem que o homem tenha percebido. É o tipo da coisa que se explicar perde a graça, assim como a poesia dos mitos evapora com a presença da ciência.

Por outro lado, fingimento inócuo, vazio, apenas por incapacidade de conversar com o parceiro, não me parece ser uma saída inteligente. Nessa guerra onde só têm feridos, a mulher perde, o homem perde, a relação perde. Existe na floresta social o homem que realmente está preocupado com a mulher, todavia, a natureza fabrica em maior quantidade o homem incompetente, que queima etapas, que pula as preliminares e enxerga na penetração seus minutos gloriosos de virilidade. Este homem é sem sal, sem sonho, sem poesia, carente de ritmo que o faça dançar no mesmo compasso em que dança o coração de sua mulher. Parte do caos sexual em que estamos sufocados é culpa desse homem, e o máximo que vai conseguir na sua pobre vida sexual é mais uma mulher que finja.

Se sexo fosse uma partida de futebol, o que valeria ter pago seu ingresso? Um jogo fantástico cheio de dribles geniais e emocionantes, aplausos e jogadas incríveis, mas que no final não tivesse um gol? Ou um jogo mixuruca, pobre, apático e chato de ver, mas que fechasse com um gol? Acredite, a maior parte das mulheres ficam com a primeira definição...

Allê Barbosa - 16 de Agosto de 2011

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sexta-feira, julho 16, 2010

Pornografia e erotismo



Existe uma linha quase imperceptível entre o erótico e o pornográfico. Pornografia é uma preguiça sem sofisticação que o desejo sente, é um tesão vagabundo desperdiçado sem um propósito maior. Erotismo é outra coisa, é uma suposição, uma sugestão muito mais interessante que o pornô, é uma imagem em foco delicadamente envolta numa penumbra, é uma sutileza que em pequenas e densas gotas dilatam a pupila da gente.

Somos um jogo de palavras cruzadas, palavras impressas numa revistinha que vai envelhecendo, sucumbindo ao bafo quente do tempo. Ainda assim, com nossas páginas velhinhas cheirando a biblioteca, estaremos à procura de palavras que nos dêem sentido, que caibam em nossos quadradinhos sexuais. Em regra, na busca por parte desse significado que dê cor à nossa sexualidade, pegamos um atalho pela pornografia, que é simples e descomplicada. Em tempos de Internet, achar pornografia de graça é tão fácil quanto digitar um monossílabo tônico no Google. Entretanto, a pornografia é o melhor recurso para estimular e explicar nossos desejos masculinos? Ou seria o recurso que corrompe esses desejos? Sabemos que as mulheres pouco se interessam pela pornografia feita por homens, aquela convencional, que é mais genital e visual, às vezes até humilhante para a mulher. Claro que mulher também gosta de pornografia, mas a maioria prefere o romance, o subliminar. A mulher consegue decifrar os ingredientes da sexualidade de forma muito mais abrangente que o homem. Esse objeto decifrado fica dentro dela, resignado, esperando a hora de sair, e depende basicamente do catalisador pra existir de verdade, para haver a reação explosiva. O homem é excitado por natureza, pobremente vive pronto, abafado num porão de testosterona. A questão está centralizada no fato de que este catalisador para a mulher é muito mais erótico do que pornográfico, mais sensitivo do que visual. Ela não espera que o homem vá direto ao assunto, mas que ele a provoque, a instigue a ponto de ela querer estar dentro do assunto. A mulher é sofisticadamente mais tátil, muscular, auditiva, vive nas entrelinhas e tem uma ligação muito forte com os cheiros da pele. Para ela, a pornografia é apenas um paliativo, um aperitivo que supre uma falta de algo muito maior.

É inegável que sexualmente somos um quebra-cabeça, não daqueles de mil pedaços contados em que se forma apenas uma imagem no fim, mas daqueles de incontáveis peças em que imagens diferentes vão se formando. Para uma mente inquieta, curiosa, é muito improvável que a imagem que define o comportamento sexual aos 25 anos seja a mesma imagem formada aos 45 anos. Você se surpreenderia com o que vive trancado dentro de sua mente, lá naquele lugar em que não se pode acessar.

Detesto pornografia, cuja existência se justifica pelo poder corrosivo do moralismo e da hipocrisia, rainha absoluta que nos cerca. Tenho desprezo por essa besteirada puritana toda que vomitam por aí, e aqui, critico a superficialidade e a falta de inventividade que são as maiores características da pornografia, sem julgá-la vulgar, certa ou errada. Quando se nega uma coisa que por definição é inegável, como é a sexualidade, uma ilusão é criada para ocupar o lugar. Essa situação irreal é o pornô sujo, a marginalidade do sexo, e tudo isso é fruto do falso moralismo, que é o biscoito mais sem sal que o mestre bolacheiro fez, a bolacha quebrada da sociedade.

Os homens são apresentados à pornografia desde muito cedo, é quando sua identidade sexual está sendo formada, quando a imagem sexual da mulher está sendo criada em seu mundo. Na idade adulta, 60% dos homens acham que têm o pênis pequeno e provavelmente isso seja culpa dos enormes pênis de 25 centímetros dos filmes. Pior que isso, são muitos homens transarem sem entender a responsabilidade de ter acesso irrestrito à sensibilidade do corpo feminino, sem a admiração necessária para um gozo pleno. Isso, inevitavelmente não permite que a mulher se sinta à vontade, que deixe exalar seu cheiro para ser colhido. Um verdadeiro exército masculino trata o ânus da mulher como se fosse o terrorista Osama Bin Laden, um inimigo implacável. Minha teoria é a de que mulheres odeiam sexo anal porque homens amam filmes pornô, onde tudo é possível e maravilhoso. Esses filmes não têm a ver com fantasias possíveis, e sim com desinformação, orgasmos de fachada, gemidos vazios, pênis medonhos e mulheres implorando por sexo anal como se isso fosse uma deliciosa torta de chocolate. O filme todo é explicado num vai-e-vem desenfreado, sem aquela doçura agressiva de um casal real. Só consigo pensar no pornô como uma música desafinada, um sexo sem rima e inteligência.

Pornográfico e erótico se diferenciam basicamente por aspectos éticos e estéticos, e também em sua originalidade. E do que nossos olhos gostam? Será que uma imagem vale mais do que mil palavras? Na medida em que a pornografia vai crescendo, as pessoas vão ficando mais fáceis e sem graça, o erotismo vai desaparecendo das nossas prateleiras, ou quem sabe, vai se tornando privilégio de poucos. Acredito que em algum grau todos gostem do soft pornô, aquela imagem instigante, que mostra o que nós homens não vemos nunca, imagem de alguma coisa no mundo da mulher que não temos acesso, de um universo feminino mais particular que só ela produz e ela mesma absorve. Mas acredito também que deva existir algum limite, uma placa interditando, dizendo: Cuidado! Os prazeres anormais matam os prazeres normais.

Julgue o que é mais conveniente para nortear seus desejos, sobretudo porque eles são importantes partes de você. Não os deixem nas mãos do Papa, de instituições e das pessoas que usam da estupidez para explicar o mundo. Eu fico com o jeito mais excitante, erotizado por imagens na retina, corpo de palavras, sons e silêncio que deslizam ouvidos a dentro. Essa substância me ocupa e dá um significado melhor para minha condição de homem. Ser erótico é conseguir enxergar a bruma invisível que fica pairando à nossa volta, que é feita de um cheiro misterioso e tem poder de mudar nossa beleza de lugar. Ser erótico não é apenas enxergar a vagina, mas, é também sentir cada grau da sua temperatura que aumenta sutilmente, sultimente...

Já no século XVIII o Marquês de Sade dizia o que hoje oportunamente repito: “... E que nada nem ninguém é mais importante do que nós próprios. E não devemos negar-nos nenhum prazer, nenhuma experiência, nenhuma satisfação, desculpando-nos com a moral, a religião ou os costumes”.


Allê Barbosa

13 de Julho de 2010


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sexta-feira, abril 23, 2010

Urgência de pele


A pele é uma criatura enigmática que se veste da gente, muda as pintas de lugar, não segue ordens do cérebro, e mesmo assim, depois de um tempo a incorporamos e a transformamos em nós.


A pele é a primeira parte do outro com que temos contato, seja no aperto de mão, no carinho despretensioso ou nas carícias que antecedem o sexo. A pele é a frase mais forte do primeiro parágrafo que liga duas pessoas. Diga-me o quiser, mas é o cheiro da pele que lhe faz se aproximar e continuar perto da outra pessoa, sendo citações poderosas na boca da outra pessoa. A pele tem um imenso laboratório de fazer cheiros e abraçamos esses cheiros como o cachorrinho abraça ao dono que foi na padaria da esquina.


Os desejos sexuais precisam chegar de um lado ao outro de nossa existência, do ponto zero onde nascem até ao olhar gracioso e revelador, no momento em que uma luz se acende no corpo do outro e mexe com você. Desejos precisam trilhar por avenidas, passagens confidenciais, veias ardentes, canais e talvez o caminho mais longo seja a pele. Antes de a chuva vir, o céu se transforma completamente em outro céu, muda de cor e de lugar, de densidade, e um cheiro característico é ventilado em nossa volta. Assim é a relação do corpo com o desejo, exala um dos cheiros mais extraordinários e misteriosos entre todos que existem: o cheiro da anunciação do sexo, um código escrito em linhas frágeis para poucos captadores.


A epiderme é também uma fantasia que esconde a feiúra dos músculos e órgãos, que torna suportável nossa real aparência. Sem pele, todos humanos são análogos, africanos e finlandeses, japoneses e sergipanos, anões e jogadores de basquete. Evitamos pensar na pele como um agente transformador de um padrão comum a todos, padrão de feixes entrelaçados que formam músculos, cor de sangue e esqueleto esquálido. Fazemos de conta que da pele pra dentro é vazio, é uma profunda escuridão. O fato é que preferimos sempre o caminho mais agradável para o encanto dos olhos, que é distancia entre os olhos e a pele.


Epiderme, pele, tez, uma tela aveludada em que se pintam os mais diversos estilos de arte, mil tipos de enfeites, maquiagem, blush, gloss, depilação, perfume, hidratante. Acessórios indispensáveis para mulheres que transformam o bom no excelente, mas não há nada tão eficaz e poderoso como o cheiro natural, é esse quem enlouquece a sua cabeça.


É assim: de noite, habitualmente ela recosta o corpo na cabeceira da cama e lê um livro. Neste momento estou deitado ao lado, de costas nuas viradas pra ela, ouvindo o barulhinho das páginas passando, sendo devoradas. Me aproveito de um hábito que ela tem de escrever com o dedo indicador quase tudo que lê ou ouve, só percebe quem a conhece muito bem. Sabendo disso, deixo minhas costas por perto e minha pele se transforma num caminho virgem, um pergaminho em que ela escreve páginas e páginas de textos imaginários, como uma tatuagem que só ela enxerga, com letras e palavras que vão se sobrepondo, num emaranhado de assuntos com ritmo. É uma visão bem particular da relação da minha mulher com a minha pele.


A pele é também a outra forma de contar a mesma história. Na pele são impressas as experiências da idade e os graus de maturidade, os segredos da vida, enquanto ela saboreia o gosto do tempo. Na pele me minimizo, fico almodóvico, para astutamente considerar a geografia do corpo, ser encharcado por texturas, proeminências, reentrâncias, destaques, realces. Poderia ficar horas seguindo as trilhas que sempre me levam a novas descobertas em lugares já conhecidos dos olhos. A pele boa dela me parece um lugar seguro para repousar minhas mãos, roçar minha pele e dormir meus olhos. É na pele dela em que me redescubro, que vou e volto deslizando, mergulhado num cheiro tão bom que não consigo ficar distante por muitas horas.


A pele é uma pedra jogada na água que cria uma onda que conecta todo o lago, todo o corpo, reproduz os versos em onda, traduz o macio em calor. A pele é sempre destinada a outra pele, a outro arrepio, a outro suor, a outra boca, a outros olhos. A pele, não aquela plastificada de Photoshop, mas aquela encarnada de segredos, é o livro mais gostoso de ler, é a sonoridade mais harmoniosa dessa música chamada vida.



Allê Barbosa


19 de Abril de 2010




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domingo, novembro 08, 2009

Enxaqueca na quinta-feira




A enxaqueca é minha inimiga declarada. Não a sinto, mas ela machuca a pessoa que mais amo nessa vida. Enxaqueca é um fantasma pálido cheio de truques sujos, sabe roubar de mim não apenas minha mulher por algumas horas, mas também sabe neutralizar meu melhor assunto. Esse desatino infame contrasta com minha idéia de que a mulher que eu amo é um anjo. Maldita enxaqueca que chega sem avisar no meio da tarde, que me mostra com uma crueldade clínica que o anjo que amo é na verdade um humano, sem poderes sobrenaturais de cura, sem asas que facilitam ir e vir e sem cabelos de cachinhos dourados. Meu anjo é como eu sou, humano, demasiadamente humano. É triste ver estampado no corpo dela o abatimento, no rosto a dor cansada, nos olhos a impaciência vigorosa, e no estômago a fragilidade que nem sequer consegue reter a água que é ingerida com o remédio.

Em mim, essa dor que ela sente causa uma absurda sensação de impotência. Me faz sentir inveja de Deus, das Suas palavras imperativas de cura, me faz querer saber qual o botão que desliga as dores humanas. Por outro lado, nessas horas sinto a estranha sensação de pai, de alguém que sofre junto, mas está no controle, se desmanchando em proteção, se transformando em conforto para ela, estando perto. Me sinto um pai que se preocupa com a luminosidade do ambiente, o volume do som da voz, a temperatura do ar-condicionado, que derrama álcool num paninho para por na testa dela, dizem que alivia. A gente só sabe mesmo o que é amor nessas horas, nas horas em que quem está no controle da situação não é o desejo sexual, ou o anseio por seios sinceros e gemidos de cores vibrantes. Nessas horas escuras quem quer estar pertinho é o coração, sendo útil, sendo parte da solução, exalando proteção.

A coisa que eu mais sinta falta nessas horas são as nossas conversas. A gente conversa o tempo todo durante o dia e nunca acaba o assunto, parece que temos um plantação incomum de palavras conexas. Às vezes acordamos de madrugada e ainda temos assunto. Como eu não sentiria falta disso? Das gracinhas que ela está sempre fazendo, dos olhinhos vivos de criança, das palavras sempre ditas na hora certa. Agora ela está aqui dormindo ao meu lado, ainda parece um anjo dormindo, entretanto, sei intimamente que ainda há um oceano de dor nos separando, tirando o ar do nosso vocabulário.

Volte logo, amor! Preciso das tuas palavras de novo. Vou beber esse mar entre a gente para que nossas palavras não se afoguem mais...

Allê Barbosa
06 de Novembro de 2009

sexta-feira, novembro 06, 2009

O dia em que participei do Saia Justa


Eu estava hospedado em um hotel da zona sul em São Paulo. Como eu tinha algumas horas de folga até meu voo de volta a Salvador, me informei na recepção do hotel sobre algum lugar interessante pra ver gente legal e tomar uma cerveja. E assim, fui eu tomar essa bendita cerveja, cheio de vontade e de sede.

Cheguei ao referido bar, que por sinal era um bar grande, bem decorado, me sentei numa mesa mais afastada e fiquei assuntando o povo paulista. Uma coisa estranha era que a cerveja não tinha gosto de cerveja, procurava identificar aquele gosto e até hoje não sei que gosto que era. Ah, deixa pra lá, resolvi prestar mais atenção no ambiente, e num canto à minha direita percebi uma discussão acalorada de umas mulheres. Eu não as olhava, apenas as ouvia. Sei lá o que me deu na cabeça, não me dei conta do que estava acontecendo direito. Não uso drogas, mas talvez eu estivesse drogado. Eu estava tão desnudado de qualquer etiqueta social sobre interromper pessoas, que me tornei excessivamente humano, tamanha inquietação que aquela discussão me proporcionava.

No cume da minha confusão mental, agora as mulheres já com rosto, eu ouvi a Márcia Tiburi dizer: “Eu não queria ser uma esquina e muito menos uma avenida, pois elas são sempre em terceira pessoa”. Eu achei isso tão genial que me senti atraído, parecia uma xícara de café fresquinho me convidando pra uma conversa, me levantei e fui pegar outra cerveja, enquanto ia para o balcão, despretensiosamente entrei na conversa delas, que para mim durou alguns segundos, até os seguranças me pegarem. Não me lembro muito bem o que eu disse, mas elas aplaudiram logo depois. Só então, me dei conta de que o Saia Justa estava sendo gravado neste bar. Tarde demais, a vergonha já dominava cada músculo do meu corpo. Talvez, também, esse espasmo muscular tenha me acordado às 7:09 da manhã de uma sexta-feira de Novembro.

Allê Barbosa

06 de Novembro de 2009

 
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