30 voltas em torno do sol
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**Meu mundo era bem pequeno e acanhado quando eu tinha quinze anos de idade. Não passava por minha cabeça que um dia fosse ter trinta anos, era como ir para lua num jegue. Compreendo essa sensação melhor hoje, penso a mesma coisa sobre chegar aos sessenta. Chegar aos trinta anos é uma vitória, é como alcançar uma meta de vendas em uma empresa de telemarketing. Poderia ser também como fazer sua casa dentro de uma fábrica de chocolate, onde todos os sentidos são alimentados todo o tempo. Aos trinta anos, as nossas asas de cera são substituídas por propulsores que podem nos levar bem mais alto. Esta permuta tem obrigação de nos fazer ter mais coragem de abandonar as idéias que nos acorrentam, nos fazer arriscar mais na profissão, no amor, nas escolhas, nos desafios, sem medo do sol, sem receio de que a cera se derreta. Ao longo dessas trinta voltas que dei em torno do sol estive apenas ensaiando a vida, ouvindo seus acordes pra saber tocar, pegando as manhas e mumunhas, a malandragem dos movimentos, como na capoeira. A partir de agora acho que é viver valendo, a banda já começou a tocar há 10 minutos. De repente cheguei à estatura de um homem questionador. Ainda não me parece ser mais alto do que falaram, mas é interessante. Não ganhei visão de Raios-X e nem capacidade de pintar o futuro com tinta guache. Ao invés disso, foi tatuada uma certeza em minha mente: estou um ano mais perto do dia em que vou começar a viver de manhã e não vou terminar de viver, do dia em que alguém vai terminar de fazer minhas coisas. Não sei por quê, mas em meu aniversário sempre penso em quando não estarei mais aqui. Nem ouso imaginar minha Lelezinha encerrando a minha conta no banco. Eu sei, é um tom pessimista, entretanto é ingrediente do bolo da vida. O que é a vida? A vida é só um meio de transporte, um ônibus gigante que pára em pontos aleatórios pra pessoas descerem.
***Fui contaminado em alguma hora pela sorte, talvez tenha acontecido ainda na barriga de minha mãe. Na minha vida, as coisas vão se desdobrando como as ondas macias da praia de Aleluia, tudo ao seu tempo e encanto. Me ocupo de lucidez, conquistas, crenças, descrenças e não voto no PFL. Tenho leveza, especialmente, porque me apego e cuido do coração de uma mulher que me encontrou quase sem batimentos. Sou uma das cinco pessoas mais felizes do mundo. Se o meu sangue parasse neste minuto, tudo bem! Já teria valido a pena tudo, cada compasso.
***Se eu fui tão feliz um dia não foi nesta vida que me transporta. Tenho sossego em minha alma ao ponto de amaciar meu sorriso, deixá-lo escoando entre os dentes. Um amor tem que ser leve como o vento, transparente como a inocência, gostoso como o cheiro de pele que agrada, bom como o cheiro do café da manhã sendo passado enquanto você se espreguiça na cama. Parece uma quimera romântica? Mas é assim que deveria ser. Amar não tem que exigir sacrifícios de homem ou mulher, pois sacrifício é um tecido costurado com linha anêmica. O amor que sempre procurei em uma mulher foi um tipo de amor assertivo, amor com manual de instruções em português. Você já gostou tanto de alguém ao ponto de achar que amor é pouco? Gostar assim é como escrever uma carta em pedra, onde o esquecimento não pode corroer. Amor é uma substância sem medida, como prender a lua dentro dos olhos.
***Uma das coisas mais bacanas que ganhei na vida foi um telescópio. Por mais que seja uma delícia espiar a vida real das pessoas nas janelas dos prédios da cidade, é espiando o céu que há excitação neural. Ontem vi a lua do jeito que ela é. Não tinha nenhum São Jorge e nem cavalo. Lua nua, metade escura e metade tocada pelo sol realçando sua ausência de cor, pálida até a alma, mergulhada numa imensidão de silêncio e frio, sem som algum cortando o ar à sua volta. Fiquei com uma certa pena da lua, lá em cima naquele escuro, flutuando sozinha, longe dos olhos nus. Lua é solidão, não tem fome pelo novo, mesmo assim, exala romantismo. Talvez ela que tenha sentido pena de mim, da minha condição transitória diante dela, da vida. Ou talvez, ela me dissesse: – Trinta anos, né? Hum! O mais importante você garimpou da vida, vive em seus olhos, partilha a cama com você, sabe de suas transpirações, cansaço e disposição. A lua inspira do romantismo piegas até o mais elaborado pensamento, da poesia esdrúxula às palavras endereçadas de Thiago de Mello e Fernando Pessoa. Essa frieza que senti na lua faz parte de sua natureza que nos atrai. Você está distraído e de repente, sem pensar, fala: que lua linda! Somos atraídos pela lua, nem as marés escapam dela.
***Ah, esses trinta anos. Acho que minha mãe nem acredita que aquele menino de canela seca cresceu. Um menino de bamba no pé, camisa quadriculadinha de colarinho, que invariavelmente ficava desarrumado com as abas para cima. Um menininho que por força das circunstâncias fazia seus próprios brinquedos, incluindo sua melhor obra: uma guitarrinha talhada em tábua, com quatro cordas de nylon esticadas em cima de uma caixa de fósforos. Infelizmente, algum outro menino, desde cedo com inclinação para o tráfico, roubou sua guitarrinha artesanal. Depois desse episódio ele jamais veio a fazer outra guitarrinha. Desiludido com o mundo da luthieria, partiu pro ramo da construção civil: casinhas de madeira com porta e tudo. O menino era um engenheiro. Nem eu acredito que já tenho trinta anos. Boa parte desse menino é minha porção riso fácil que está aqui e vai ficar até os noventa anos. Acho que depois disso vou ficar chato e mal-humorado, implicando até com o “Boa noite” do apresentador do jornal.
***É inútil procurar pelo amor, é como procurar unicórnio no Google. O amor puro lhe encontra, lhe une. Amor é certeza em seu estado puro, é incomum, original e ventilado. Amor é um telescópio que consegue ver de perto beleza e defeitos, saiba lidar com isso.
Trinta anos, diria que é apenas o começo... O que faz a diferença em qualquer idade eu já tenho: um amor que amortece a violência da contagem dos dias.
Allê Barbosa
29 de Abril, 2007
**Meu mundo era bem pequeno e acanhado quando eu tinha quinze anos de idade. Não passava por minha cabeça que um dia fosse ter trinta anos, era como ir para lua num jegue. Compreendo essa sensação melhor hoje, penso a mesma coisa sobre chegar aos sessenta. Chegar aos trinta anos é uma vitória, é como alcançar uma meta de vendas em uma empresa de telemarketing. Poderia ser também como fazer sua casa dentro de uma fábrica de chocolate, onde todos os sentidos são alimentados todo o tempo. Aos trinta anos, as nossas asas de cera são substituídas por propulsores que podem nos levar bem mais alto. Esta permuta tem obrigação de nos fazer ter mais coragem de abandonar as idéias que nos acorrentam, nos fazer arriscar mais na profissão, no amor, nas escolhas, nos desafios, sem medo do sol, sem receio de que a cera se derreta. Ao longo dessas trinta voltas que dei em torno do sol estive apenas ensaiando a vida, ouvindo seus acordes pra saber tocar, pegando as manhas e mumunhas, a malandragem dos movimentos, como na capoeira. A partir de agora acho que é viver valendo, a banda já começou a tocar há 10 minutos. De repente cheguei à estatura de um homem questionador. Ainda não me parece ser mais alto do que falaram, mas é interessante. Não ganhei visão de Raios-X e nem capacidade de pintar o futuro com tinta guache. Ao invés disso, foi tatuada uma certeza em minha mente: estou um ano mais perto do dia em que vou começar a viver de manhã e não vou terminar de viver, do dia em que alguém vai terminar de fazer minhas coisas. Não sei por quê, mas em meu aniversário sempre penso em quando não estarei mais aqui. Nem ouso imaginar minha Lelezinha encerrando a minha conta no banco. Eu sei, é um tom pessimista, entretanto é ingrediente do bolo da vida. O que é a vida? A vida é só um meio de transporte, um ônibus gigante que pára em pontos aleatórios pra pessoas descerem.
***Fui contaminado em alguma hora pela sorte, talvez tenha acontecido ainda na barriga de minha mãe. Na minha vida, as coisas vão se desdobrando como as ondas macias da praia de Aleluia, tudo ao seu tempo e encanto. Me ocupo de lucidez, conquistas, crenças, descrenças e não voto no PFL. Tenho leveza, especialmente, porque me apego e cuido do coração de uma mulher que me encontrou quase sem batimentos. Sou uma das cinco pessoas mais felizes do mundo. Se o meu sangue parasse neste minuto, tudo bem! Já teria valido a pena tudo, cada compasso.
***Se eu fui tão feliz um dia não foi nesta vida que me transporta. Tenho sossego em minha alma ao ponto de amaciar meu sorriso, deixá-lo escoando entre os dentes. Um amor tem que ser leve como o vento, transparente como a inocência, gostoso como o cheiro de pele que agrada, bom como o cheiro do café da manhã sendo passado enquanto você se espreguiça na cama. Parece uma quimera romântica? Mas é assim que deveria ser. Amar não tem que exigir sacrifícios de homem ou mulher, pois sacrifício é um tecido costurado com linha anêmica. O amor que sempre procurei em uma mulher foi um tipo de amor assertivo, amor com manual de instruções em português. Você já gostou tanto de alguém ao ponto de achar que amor é pouco? Gostar assim é como escrever uma carta em pedra, onde o esquecimento não pode corroer. Amor é uma substância sem medida, como prender a lua dentro dos olhos.
***Uma das coisas mais bacanas que ganhei na vida foi um telescópio. Por mais que seja uma delícia espiar a vida real das pessoas nas janelas dos prédios da cidade, é espiando o céu que há excitação neural. Ontem vi a lua do jeito que ela é. Não tinha nenhum São Jorge e nem cavalo. Lua nua, metade escura e metade tocada pelo sol realçando sua ausência de cor, pálida até a alma, mergulhada numa imensidão de silêncio e frio, sem som algum cortando o ar à sua volta. Fiquei com uma certa pena da lua, lá em cima naquele escuro, flutuando sozinha, longe dos olhos nus. Lua é solidão, não tem fome pelo novo, mesmo assim, exala romantismo. Talvez ela que tenha sentido pena de mim, da minha condição transitória diante dela, da vida. Ou talvez, ela me dissesse: – Trinta anos, né? Hum! O mais importante você garimpou da vida, vive em seus olhos, partilha a cama com você, sabe de suas transpirações, cansaço e disposição. A lua inspira do romantismo piegas até o mais elaborado pensamento, da poesia esdrúxula às palavras endereçadas de Thiago de Mello e Fernando Pessoa. Essa frieza que senti na lua faz parte de sua natureza que nos atrai. Você está distraído e de repente, sem pensar, fala: que lua linda! Somos atraídos pela lua, nem as marés escapam dela.
***Ah, esses trinta anos. Acho que minha mãe nem acredita que aquele menino de canela seca cresceu. Um menino de bamba no pé, camisa quadriculadinha de colarinho, que invariavelmente ficava desarrumado com as abas para cima. Um menininho que por força das circunstâncias fazia seus próprios brinquedos, incluindo sua melhor obra: uma guitarrinha talhada em tábua, com quatro cordas de nylon esticadas em cima de uma caixa de fósforos. Infelizmente, algum outro menino, desde cedo com inclinação para o tráfico, roubou sua guitarrinha artesanal. Depois desse episódio ele jamais veio a fazer outra guitarrinha. Desiludido com o mundo da luthieria, partiu pro ramo da construção civil: casinhas de madeira com porta e tudo. O menino era um engenheiro. Nem eu acredito que já tenho trinta anos. Boa parte desse menino é minha porção riso fácil que está aqui e vai ficar até os noventa anos. Acho que depois disso vou ficar chato e mal-humorado, implicando até com o “Boa noite” do apresentador do jornal.
***É inútil procurar pelo amor, é como procurar unicórnio no Google. O amor puro lhe encontra, lhe une. Amor é certeza em seu estado puro, é incomum, original e ventilado. Amor é um telescópio que consegue ver de perto beleza e defeitos, saiba lidar com isso.
Trinta anos, diria que é apenas o começo... O que faz a diferença em qualquer idade eu já tenho: um amor que amortece a violência da contagem dos dias.
Allê Barbosa
29 de Abril, 2007
6 Comentários:
Às 9:38 PM , Anônimo disse...
Fantastico o seu texto! inteligente, envolvente, me deliciei com cada palavra sempre muito bem colocada... parabéns, vc é um grande escritor muito talentoso!
Às 3:31 PM , Helena Meyer disse...
Amor, como eu lhe disse, esse texto é maravilhoso!!! Um dos melhores que vc já escreveu!!! Tem lugar certo na minha lista dos top-ten textos que já li...
Te amo, lindo! Bjo.
Às 3:06 PM , Anônimo disse...
POxa...q maravilha é poder párar e ler algo q nos leva junto com o q estamos lendo, algo q nos prende e nos desperta para mudar....adorei este texto...e de alguma forma algo me mudou sim...
Lindo lindo lindo....e mto inteligente...
Bjocas amigo e muuuuuuuuito sucesso...se vira nos 30!!!huahuahuahu
Às 5:14 PM , Lau disse...
Oi, amigo!
Como sempre, um texto envolvente e extremamente bem escrito.
Interessante a forma como vc descreve sua "chegada" aos trinta anos.
Neste ano, faço 29 e estou cada vez mais ansiosa por chegar minha vez. Engraçado como sempre tive um certo fascínio por esta idade. 30 anos, pra mim, parece a chegada em um porto onde o navio de nossa vida atraca de uma forma especial. Sempre pensei em como estaria meu navio ao chegar lá. Quais avarias e quais transformações teria sofrido desde sua saída do porto original.
Lembro da chegada aos trinta de minha mãe, de algumas amigas, de várias pessoas. Tento reconhecer minha expectativa nelas. Não consigo. Também, nem poderia, meu navio não foi construído por mim, mas fui eu quem o decorou e o avariou tb. E somente eu sou a responsável por sua condição.
Mas cheguei até aqui. E espero ansiosa por aportar meu navio nessa idade incrível e instigante.
Parabéns!
Grande beijo,
Lau
Às 7:23 PM , Anônimo disse...
Alê!! Já te falei sobre seus textos, já te falei o quanto te acho inteligente. Cada palavra, cada frase, cada título, cada idéia, cada conjunto de idéias!!
Você faz a gente pensar, analisar, compreender e principalmente concordar com você!
Parabéns..continue postando..pois sempre saio embriagada do seu armazém..rss!!
Grande beijo da amiga, Marina!
Às 7:50 PM , Anônimo disse...
Pô, assim fico sem graça...Só escrevo umas coisas aí q penso...brigaduuuu
bj,
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