Armazém Cheio de Assunto

Para quem gosta de pensar no sim e no não, no antes e no depois, o "Armazém" é o lugar certo. Pode entrar, beba da minha "cachaça" sem parcimônia... Este é um Blog com crônicas afetivas que tenho escrito ao longo de um tempo, ou talvez, um ópio que produzo e uso.

quinta-feira, agosto 23, 2007

Nossas adoráveis jaulas invisíveis

Tudo se baseia na política, o mundo gira graças aos ventos da politica e a mentira é que faz estes ventos soprarem com tanta eficiência. Se em uma sociedade todos forem iguais é mais fácil exercer controle e eternizar mentiras. A sociedade é uma grande e sofisticada máquina, com diversas catracas, botões e fios, polias, parafusos cromados e lubrificantes que fazem coisas deslizar. Embora uma sociedade seja um organismo de grandes dimensões, não funciona por si só, não é auto-reguladora. Para tudo girar numa certa ordem, é preciso haver manipulação e mentira, elas são responsáveis pela cegueira que garante que não exista caos. Somos produtos, números, símios falantes de córtex desenvolvido vivendo em invisíveis jaulas sociológicas, com a sensação de que somos libertos e espertos. Temos a falsa idéia de que se não assistimos ao Faustão, se não pertencemos à turma dos pagodeiros, se não somos vendidos a idéias baratas, se não gostamos de futebol, novelas mexicanas ou filmes dublados, já estamos acima das pessoas comuns. Isso é nossa ilusão teatral de que somos deuses que gostam de coisas mais complexas, frutas sazonais selecionadas como Chico, Björk , Elis Regina e tudo que tenha um tom cult.

Quando nos libertamos de carrapatos como pagode e Faustão, não significa que tudo vá melhorar ou que vamos encontrar a civilização perdida, pelo contrário, subimos para o nível dois, da consciência dilatada, onde tudo piora diante da quantidade de luz que passa pela retina, diante da impossibilidade de se fazer alguma coisa que não seja virar um eremita ou usar ácidos lisérgicos. Certa vez disse Gilberto Gil numa entrevista: “Usei ácidos entre 68 e 74 para expandir a consciência”. Usar droga é um tipo perigoso de fuga da realidade. Nesse nível, descobrimos que quanto mais longe você consegue enxergar, menos satisfação você tem, mais bosta em seu tênis Adidas você percebe, lhe desconcertando toda vez que a vida se alinha em seu pensamento. Não importa o que você faça para fugir do fator alienante, do comportamento não crítico, do que todo mundo gosta, vai sempre esbarrar num problema muito maior que o gosto popular: no paradoxo da liberdade. Liberdade é apenas uma palavra sem significado algum (não me refiro à liberdade do presidiário), liberdade são as ondas efêmeras da pedra jogada ao lago, é o eco de um grito na colina. Não somos livres nem em pensamento. Tudo que você pensa foi programado por sua cultura; seu comportamento, sua orientação sexual, seu preconceito, o que você gosta de comer no meio-dia, seu café da manhã, seu machismo, sua religião. A maior parte das pessoas nem se dá conta da situação em que está inserida. A máquina nos projeta a sensação de que somos livres para ir e vir, e é assim que a máquina quer que seja, assim existe o frágil equilíbrio entre a ordem e o caos.

O controle necessário afeta todos os cidadãos, alienado ou não, rico ou pobre, gente boa ou ruim, ignorante ou de QI espaçoso. Aos mais inteligentes ficam reservadas doses de desespero e impotência de não conseguirem lidar com o absurdo peso da verdade, com a perda do espírito lúdico da alma. Estes gênios desde cedo se excluem, têm os cérebros mais desejados, viram ícones de um tempo com pinturas, livros, teorias, tecnologias, músicas, depois enlouquecem, se sentam sob uma sombra de isolamento e acabam sempre atirando no próprio peito com balas de verdade ou metafóricas (não é regra).

Sei que mentem para mim quando ligo a TV, quando uso o cartão de crédito, quando encho o tanque do carro, quando falam de economia, quando falam de ações na bolsa de valores, quando pago plano de saúde, conta de celular, internet, IPVA, CPMF ou qualquer outro imposto. Minha digestão se atrasa quando vejo discurso de político pedindo para não lhe cortar o lucrativo cordão umbilical, quando vejo pastores pedindo dinheiro, quando leio uma revista semanal com opiniões parciais. Enfim, toda engrenagem que faz a sociedade funcionar se sintetiza em política. Estamos inseridos num sistema construído segundo os interesses e especificações de algum grupo, não importa o ideal que se defende, qualquer grupo quer a mesma coisa: poder.

Sempre vamos precisar de cercadinhos de bebê, cerceio. Sem regras nos comeríamos vivos como os leões comem as zebras, existiria caos em toda parte. Me lembro de quando houve a greve da Policia Militar aqui em Salvador, houve caos generalizado. Pessoas comuns, boas, trabalhadoras, honestas, sem passagem pela polícia se juntaram em grandes grupos para saquearem lojas de eletrodomésticos, roupas, comida e tudo que aparecesse pela frente. O medo tomou conta de todos, mesmo dentro de casa nos sentíamos inseguros. Outro exemplo disso foi quando o furacão Katrina destruiu New Orleans. Todos perderam tudo entre vidas e bens, foram levados para um estádio onde ficaram sem água, comida e informações, participando da mesma dor. Entretanto, houve saques de casas e lojas que sobraram intactas, assassinatos e dezenas de estupros, até mesmo nos vãos escuros do estádio. Como entender esse comportamento bruto? No acidente da Gol e da Tam, objetos pessoais recuperados nas malas dos passageiros, como celulares, câmeras, jóias, dinheiro, notebooks foram roubados e até documentos como RG, CPF, foram vendidos para o mercado negro. Numa guerra, milhares de pessoas morrem e umas dezenas de empresários enriquecem 10 vezes mais. Nossa natureza é essa, somos corrosivos e por isso precisamos de mentiras sinceras que nos coloquem coleiras. Não sabemos lidar com nossa individualidade. Como compreenderíamos o coletivo?

É um paradigma. Somos manobrados e a medida dessa manobra é muito mais elástica do que imaginamos, vai muito além do que ceder aos apelos de uma boa campanha publicitária ou usar a última moda de vestidinhos. Por outro lado, precisamos de regras, reis, fantasias e novelas. Em terra de cego quem tem um olho só além de caolho é rei. Em síntese, um espertinho (conjunto sólido de regras) qualificado como dono das verdades vai abrindo caminho para a humanidade, fazendo circo, espetáculo de pirotecnia e distração que desviam a atenção até de alguns mais atentos, como eu. A raça humana chegou à idade da razão com a palavra escrita, entende o pensamento e os mitos, mas continua acreditando em Papai Noel e cegonhas que trazem bebês ao mundo. Vivemos numa eterna masturbação sem gozo!

Explicações satisfatórias para os nossos problemas existenciais são quase tão raras quanto encontrar amores possíveis (amor de verdade), poucas verdades absolutas existem nessa vida. Algumas verdades duram um entardecer, algumas uma década, outras duram alguns séculos, mas gostaria de encontrar uma que fosse como o tempo, inalterável, sem passado e nem futuro. Talvez a música e o sexo sejam verdades incontestáveis. E você, o que considera uma verdade incontestável e absoluta?

Allê Barbosa

22 de Agosto de 2007

5 Comentários:

  • Às 6:03 PM , Anonymous Anônimo disse...

    Parabéns pela crônica Allê!!!

     
  • Às 5:52 PM , Blogger Helena Meyer disse...

    Talvez a unica verdade absoluta seja o fato de que todos morreremos um dia, e ninguém sabe REALMENTE o que nos espera do outro lado (se é que algo nos espera lá...). Fora isso, tudo é relativo, o que hoje é bom, amanhã pode ser ruim, o que hoje é certo, amanhã pode não ser mais...
    Gostei muito do trecho em que vc nos provoca a pensar sobre a nossa propria arrogância -- nós, que nos consideramos no 'nível 2', achamos que estamos livres da manipulação, e não nos damos conta (ou não queremos nos dar conta) de que também somos parte da engrenagem, como manipulados e manipulantes, e que é muito dificil escapar dela. Poucos o conseguem, e certamente pagam um preço alto por isso.
    Muito bom o texto, instigante e lúcido, parabéns...

     
  • Às 6:22 PM , Blogger OS Z ETES disse...

    Olha, eu não creio na verdade absoluta!O certo e o errado só aparece a partir do momento que adotamos (de maneira coletiva) um modelo para viver. E é aí que a sociedade se afirma. O que é bom para mim pode não ser para você. A minha verdade não é a sua! O maior problema é quando as pessoas tentam quebrar esse estereótipo, adotando costumes inusitados( e eu confesso ser um pouco assim) para querer se auto-afirmar fora do sistema, não sabendo que ao reagir dessa forma vão cair no grupo dos "diferentes iguais". Ser inusitado nos transforma em uma galera meio que perdida no meio do nada, não querendo se perder na própria busca, mas também retornando a sua posição de "alienado". Enquanto isso, empurramos com a barriga uma sociedade robotizada e programada para nunca questionar!
    É MUITA DOIDEIRA ESSE ASSUNTO!
    Eu já tô com uma opinião diferente de tudo o que falei agora! Enfim, não dá para ser unilateral nesses casos.
    Um cheiro
    (cara, fiquei pirada com esse assunto... será que vou conseguir dormir? rsrsrsrs)

     
  • Às 7:54 PM , Blogger Allê Barbosa disse...

    Hahahaha... Ainda bem que a gente tem essa condição e privilegio de mudar de opinião, e tb de entendedor de assuntos doidos. Te deixo com Nietzsche: "Não me deixaria queimar por nenhuma de minhas verdades"...
    valeu...

     
  • Às 5:33 PM , Anonymous Anônimo disse...

    Nossa parabéns pla cronica
    > Nossas adoráveis jaulas invisíveis
    eu só li agora mas eu adorei
    vc escreve muito bem e era tudo oq eu precisava pra um trabalho da minha faculdade. Eu li aquilo e agora posso escrever algo a respeito. Vc eh mtu inteligente mesmooo uashuashsuahas
    beijo

     

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial

 
Free Counter
Free Counter