Blush, Gloss e Sexo...

(sexo é bom, sempre bom, mas pode ser ainda melhor)

...Rubem Alves é um dos caras mais equilibrados que já li. Ele disse: “Educação sexual começa com poesia e não com anatomia e fisiologia”. O mundo precisa de mais “Rubens Alves”.
...O que é sexo pra você? Uma transadinha? Uma casualidade como uma troca de calcinha? Uma boa trepada depois de alguma balada massa? Tudo bem, tudo isso é maravilhoso e certamente instigante, mas precisa também ser significativo, sagrado. Para lembrar João Ubaldo, “ É mais difícil escrever sobre sexo do que falar ”. Acredito nele, a forma escrita aprisiona ou anula o sotaque e o timbre, sei lá. Espero que quem se interesse em ler este texto não trate sexo como acaso do destino, ler o que está aqui seria uma perda de tempo como tantas outras perdas de tempo da vida. Mas, se você julgar sua sexualidade como uma forma de conexão com a sua natureza, com a sua parte que nunca se mostra, pode até valer a pena ler.
...Hoje é tudo muito efêmero, meio prestobarba, descartável e prático. Tudo foi simplificado numa trepada de ejaculação gelada, com três acordes simples. É como se fazer amor fosse uma coisa que desse muito mais trabalho, tivesse espinhos que inviabilizassem a fruta. Não consigo deixar de pensar que o sexo é um analgésico poderoso para as dores da vida, é a possibilidade de se apossar do outro, ter o corpo do outro e não só os sentimentos. Sexo é experimentar a chance de fugir das prisões do cotidiano.
...O mundo inteiro cabe num clic do mouse. Consegue-se sexo com a mesma facilidade que se compra uma pizza de camarão e catupiry. Seu prazer falso também virá em fatias. Toda vez que você transa sem responsabilidade emocional, você deixa um pouco de sua essência na alma de seu parceiro, deixa sua senha nele, deposita dentro dele um pouco do que você tem de mais importante. Não há troca, apenas oferta. Mesmo que você lambesse seu gozo de volta ao seu corpo, não sentiria realização e grandeza. Essas transas são uma espécie de falsa felicidade, é como saber que o mundo vai acabar daqui a três semanas e você gastar tudo que levou uma vida para construir, e depois, você descobrir que o mundo não vai se acabar; tarde demais. Depois de alguns anos dando, naturalmente, começará a sentir os efeitos silenciosos em forma de vazio. Foram aqueles pedacinhos “de você” que não tinham importância.
...Fazer amor não é aquela chatice que logo se imagina, papai e mamãe fraco, feijão com arroz de meia tijela. Chame do que quiser, mas tem que ser um passaporte para alcançar o mundo ideal. O mundo ideal fica parecendo discurso de socialistas. Só assim, acredito eu, é possível se desligar daqui e encontrar o sentido de tudo por alguns segundos. É isso que nos mantém vivos até acontecer de novo. Isso faz as pessoas terem esperança e sonhos, irem para a faculdade, almejarem um bom emprego, um bom carro, apartamento, não importa. É num equilibrio de serotonina e dopamina que a perfeição se mostra. Somos perfeitos por uma fração de tempo, quando estamos fazendo amor. Não se é perfeita com qualquer um, por outro lado, falta paciência para encontrar a pessoa certa. Enquanto existir ritmo em seu peito, há possibilidade de você encontrar esta pessoa.
...Quando escrevi esse texto uma mulher me falou: “Ah, isso tudo é legal, mas ta muito romântico, gosto do negócio mais descaradado...” Portanto, fazer amor, não se esquecendo da sacanagem e todos os descaramentos entre quatro paredes , tem a ver com força gravitacional, oxigenação do sangue, com a dança dos planetas e com o eixo divino que ordena a vida. Sexo também é como poesia de Fernando Pessoa.
...Muita gente chora quando goza. O líquido dos olhos no orgasmo é como outro gozo, é um gozo de aprovação. Essas lágrimas reconfortantes vêm da realização e nos dão a sensação de que tudo que se tinha foi entregue, mas que precisa ser reposto, devolvido ao corpo.
...Dar para um cara que você não vai nem lembrar o nome daqui a 15 dias é arriscado. É como achar o máximo ele vestir a calça perguntando se foi bom pra você, lhe dar um beijo na testa e ir embora depois de ter gozado, e talvez você nem tenha gozado. Vamos admitir que tenha sido bom, mesmo assim, foi apenas sexo que poderia ter sido bem melhor. Cachorro e vaca também fazem sexo assim, com o único compromisso de ter cachorrinhos e vaquinhas. E por falar em cachorrinhos, essa semana passei de carro numa avenida aqui em Salvador e vi uma ruma de cachorros querendo comer uma cachorrinha. Quer dizer, um mais esperto conseguiu mas se deu mal, prendeu o treco dele lá dentro. Aquilo foi uma cena de novela de Manoel Carlos. Eu não sabia para onde olhar, se para a cara dos motoristas constrangidos, impedidos, querendo passar, ou se olhava a carinha de vergonha da cachorrinha, lá enganchada no safado que a comia. Havia ainda uns dez cachorros que discutiam com latidos a questão da senha pro próximo. Fiquei pensando: será por isso que se chama pejorativamente uma mulher de cadela? Aliás, todos palavrões têm cunho sexual, já reparou nisso? Usa-se a expressão “fudeu tudo” para uma coisa que deu errado, quando, na verdade, fuder é a melhor coisa que existe.
...Não se choque com isso, mas por que não ser uma cadela no cio de um cachorro só? Ou até outros bichos que sua imaginação deixar, mas seja isso “fazendo amor”. Você só precisa encontrar alguém que você tenha afinidade. A gente percebe isso na hora que olha nos olhos da pessoa. Uma vez que você encontre essa pessoa, dê seu hálito para ela, deixe-a se alimentar de você, se nutrir de seu tipo de beleza, sentir maliciosamente o seu cheiro, decifrar sua libido, interpretar a língua dos seus olhos, dormir em seus seios.
...Externe toda sua sensualidade, esqueça o significado da palavra vergonha, ponha para fora tudo que está há muito tempo esperando a hora de sair, seja safada ou santa, mas amor é fundamental. O restante vira detalhe que vai se acertando. Taí a perfeição, desfrute disso! A vida dura muito menos do que a gente imagina, minha querida. Passamos mais tempo preocupados com a vida do que vivendo. Viva com intensidade e responsabilidade.

Allê Barbosa
e-mail alledimitri@hotmail.com

*Esta crônica publiquei em 2005 e trata-se de uma versão revisada.