Pornografia e erotismo
Existe uma linha quase imperceptível entre o erótico e o pornográfico. Pornografia é uma preguiça sem sofisticação que o desejo sente, é um tesão vagabundo desperdiçado sem um propósito maior. Erotismo é outra coisa, é uma suposição, uma sugestão muito mais interessante que o pornô, é uma imagem em foco delicadamente envolta numa penumbra, é uma sutileza que em pequenas e densas gotas dilatam a pupila da gente.
Somos um jogo de palavras cruzadas, palavras impressas numa revistinha que vai envelhecendo, sucumbindo ao bafo quente do tempo. Ainda assim, com nossas páginas velhinhas cheirando a biblioteca, estaremos à procura de palavras que nos dêem sentido, que caibam em nossos quadradinhos sexuais. Em regra, na busca por parte desse significado que dê cor à nossa sexualidade, pegamos um atalho pela pornografia, que é simples e descomplicada. Em tempos de Internet, achar pornografia de graça é tão fácil quanto digitar um monossílabo tônico no Google. Entretanto, a pornografia é o melhor recurso para estimular e explicar nossos desejos masculinos? Ou seria o recurso que corrompe esses desejos? Sabemos que as mulheres pouco se interessam pela pornografia feita por homens, aquela convencional, que é mais genital e visual, às vezes até humilhante para a mulher. Claro que mulher também gosta de pornografia, mas a maioria prefere o romance, o subliminar. A mulher consegue decifrar os ingredientes da sexualidade de forma muito mais abrangente que o homem. Esse objeto decifrado fica dentro dela, resignado, esperando a hora de sair, e depende basicamente do catalisador pra existir de verdade, para haver a reação explosiva. O homem é excitado por natureza, pobremente vive pronto, abafado num porão de testosterona. A questão está centralizada no fato de que este catalisador para a mulher é muito mais erótico do que pornográfico, mais sensitivo do que visual. Ela não espera que o homem vá direto ao assunto, mas que ele a provoque, a instigue a ponto de ela querer estar dentro do assunto. A mulher é sofisticadamente mais tátil, muscular, auditiva, vive nas entrelinhas e tem uma ligação muito forte com os cheiros da pele. Para ela, a pornografia é apenas um paliativo, um aperitivo que supre uma falta de algo muito maior.
É inegável que sexualmente somos um quebra-cabeça, não daqueles de mil pedaços contados em que se forma apenas uma imagem no fim, mas daqueles de incontáveis peças em que imagens diferentes vão se formando. Para uma mente inquieta, curiosa, é muito improvável que a imagem que define o comportamento sexual aos 25 anos seja a mesma imagem formada aos 45 anos. Você se surpreenderia com o que vive trancado dentro de sua mente, lá naquele lugar em que não se pode acessar.
Detesto pornografia, cuja existência se justifica pelo poder corrosivo do moralismo e da hipocrisia, rainha absoluta que nos cerca. Tenho desprezo por essa besteirada puritana toda que vomitam por aí, e aqui, critico a superficialidade e a falta de inventividade que são as maiores características da pornografia, sem julgá-la vulgar, certa ou errada. Quando se nega uma coisa que por definição é inegável, como é a sexualidade, uma ilusão é criada para ocupar o lugar. Essa situação irreal é o pornô sujo, a marginalidade do sexo, e tudo isso é fruto do falso moralismo, que é o biscoito mais sem sal que o mestre bolacheiro fez, a bolacha quebrada da sociedade.
Os homens são apresentados à pornografia desde muito cedo, é quando sua identidade sexual está sendo formada, quando a imagem sexual da mulher está sendo criada em seu mundo. Na idade adulta, 60% dos homens acham que têm o pênis pequeno e provavelmente isso seja culpa dos enormes pênis de 25 centímetros dos filmes. Pior que isso, são muitos homens transarem sem entender a responsabilidade de ter acesso irrestrito à sensibilidade do corpo feminino, sem a admiração necessária para um gozo pleno. Isso, inevitavelmente não permite que a mulher se sinta à vontade, que deixe exalar seu cheiro para ser colhido. Um verdadeiro exército masculino trata o ânus da mulher como se fosse o terrorista Osama Bin Laden, um inimigo implacável. Minha teoria é a de que mulheres odeiam sexo anal porque homens amam filmes pornô, onde tudo é possível e maravilhoso. Esses filmes não têm a ver com fantasias possíveis, e sim com desinformação, orgasmos de fachada, gemidos vazios, pênis medonhos e mulheres implorando por sexo anal como se isso fosse uma deliciosa torta de chocolate. O filme todo é explicado num vai-e-vem desenfreado, sem aquela doçura agressiva de um casal real. Só consigo pensar no pornô como uma música desafinada, um sexo sem rima e inteligência.
Pornográfico e erótico se diferenciam basicamente por aspectos éticos e estéticos, e também em sua originalidade. E do que nossos olhos gostam? Será que uma imagem vale mais do que mil palavras? Na medida em que a pornografia vai crescendo, as pessoas vão ficando mais fáceis e sem graça, o erotismo vai desaparecendo das nossas prateleiras, ou quem sabe, vai se tornando privilégio de poucos. Acredito que em algum grau todos gostem do soft pornô, aquela imagem instigante, que mostra o que nós homens não vemos nunca, imagem de alguma coisa no mundo da mulher que não temos acesso, de um universo feminino mais particular que só ela produz e ela mesma absorve. Mas acredito também que deva existir algum limite, uma placa interditando, dizendo: Cuidado! Os prazeres anormais matam os prazeres normais.
Julgue o que é mais conveniente para nortear seus desejos, sobretudo porque eles são importantes partes de você. Não os deixem nas mãos do Papa, de instituições e das pessoas que usam da estupidez para explicar o mundo. Eu fico com o jeito mais excitante, erotizado por imagens na retina, corpo de palavras, sons e silêncio que deslizam ouvidos a dentro. Essa substância me ocupa e dá um significado melhor para minha condição de homem. Ser erótico é conseguir enxergar a bruma invisível que fica pairando à nossa volta, que é feita de um cheiro misterioso e tem poder de mudar nossa beleza de lugar. Ser erótico não é apenas enxergar a vagina, mas, é também sentir cada grau da sua temperatura que aumenta sutilmente, sultimente...
Já no século XVIII o Marquês de Sade dizia o que hoje oportunamente repito: “... E que nada nem ninguém é mais importante do que nós próprios. E não devemos negar-nos nenhum prazer, nenhuma experiência, nenhuma satisfação, desculpando-nos com a moral, a religião ou os costumes”.
Allê Barbosa
13 de Julho de 2010
Marcadores: amor, erótico, pornografia, sexo, tesão
6 Comentários:
Às 7:27 PM , Leonice disse...
Você, como sempre, nota dez... Conhece muito bem a alma feminina. Amei o texto. Bjs
Às 7:31 PM , Ceeu Couto disse...
Allê, é incrível como você escreve... seus textos são devorados e não apenas lidos. Parabéns! =D
Às 8:32 PM , Ludesigner.fsa disse...
Sem palavras pra dizer... admiro cada palavra usada por ti nos seus textos, parabéns! Sou tua fã. Bj
Às 10:58 PM , Renata Carvalho disse...
Que tal publicar um livro? ahaha.. pelo visto, nao sou a unica fã! Você escreve muito... e muito bem. Adoro!!
Às 6:48 PM , Anônimo disse...
Sensibilidade, inteligência e uma pitada de ousadia... Vc tem os ingredientes necessários para disseminar sabores literários. Misture tudo e sirva bem quente. É uma delícia ler vc!!!
Às 9:17 PM , Helena disse...
Você é incrível.
Parabéns.
Lena
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