Orgasmo fingido: uma guerra perdida?
Em algum momento acontece um olhar, uma luz se acende, um fervimento de sangue sucede e imediatamente se congela, e então um desejo de estar dentro da outra pessoa dá inicio a uma jornada incerta. Este encontro pode acontecer na fila do supermercado, na fila do pão, no stress do trânsito, na livraria ou no local mais clichê possível, um barzinho ou uma balada de sexta. Está lançada a sorte mais uma vez, onde olhares, telefonemas e emails são trocados diariamente, e então chega o dia da primeira partida oficial valendo pontos no campeonato sexual. A grande noite enfim chega, com direito a marquinha de biquíni feita no porto da Barra, calcinha sexy que homem gosta, óleos de banho, depilação em dia, hidratante envelopando a pele macia, porém, as preocupações latentes em agradar saltam aos olhos.
Geralmente é nesse momento em que acontece o primeiro orgasmo fingido da relação. A primeira transa, por mais que seja interessante, nem de longe é a melhor transa, é no máximo a constatação de que ambos têm potencial para botar fogo na alma um do outro, elevá-la a um nível acima. A primeira vez que um casal transa é como uma entrevista de emprego, não se pode ser promovido a gerente numa entrevista de emprego. Entretanto, cada um traz tatuada na pele uma necessidade imperativa de agradar, não um agradar que leve em consideração a necessidade do outro, ressaltando um traço singelo de generosidade, mas creio que seria uma necessidade por egoísmo, para mostrar que se é bom o bastante, que o outro não vai esquecer aquele momento. “Ah, eu sou foda! Ela não vai me esquecer mais nunca depois de hoje, vou mostrar pra ela a minha potência”. Talvez esse pensamento de ser melhor que o parceiro anterior seja mais do universo masculino, atestando uma rivalidade velada entre os machos. Penso que homem estraga a primeira transa por excesso de confiança, e a mulher contribui com a falta da mesma. “Se eu fizer isso, o que ele vai pensar que eu sou? Avemaria, nem quero falar nesse nome...”, “Será que ele pensa que faço isso com todos?”, “Não posso deixar que ele ache que sou piriguete, afinal, quero segurar esse...”. Todo esse diálogo acontece secretamente entre olhares dos dois novos desconhecidos, entre a pele que pode até ter traços de suor, debaixo dos lençóis que até cobrem carinhosamente os mesmos corpos, mas tudo isso não consegue resolver o problema mais importante: o homem ainda não tem a senha do orgasmo da mulher. Isso não vem assim facilmente numa caixinha de presente. Embora ela fique úmida, o queira mais que tudo, não se pode ingenuamente achar que gozar seja uma questão matemática de apenas estar molhada. Ao contrário disso, é uma questão de filosofia sobre entrega, não ainda a entrega do coração, do seu amor, mas um momento de entrega de carne, sua vagina, alguns sentimentos inerentes às leis da atração, sua tranqüilidade, sua intimidade, sua sinceridade sexual, seus tabus e os cheiros que só ela conhece. Uma mulher esperta entregaria tudo isso a um desconhecido? O fato de eles se falarem há alguns dias ou semanas, ele ter pago um jantar, dado algum livro que ela tanto queria, o credencia como conhecedor dos inúmeros caminhos do seu corpo? O que é mais lógico fazer para resolver um possível mal estar? Ficar dias esperando que ele descubra milagrosamente a sua senha? Não sei se isso seria bom. O que acontece na maior parte dos casos é que a mulher, diante dessa impossibilidade existencial, simplesmente finge que gozou. Não é por maldade que isso acontece, mas veja como um jogo político em que sempre é preciso um pouco de dissimulação. Neste caso, esse fingimento parece ser a melhor forma de garantir que possa acontecer de novo, até que essa senha seja ensinada ou criada... O homem fica feliz, a mulher se mantém preservada e livre dos possíveis rótulos.
O problema é que todo esse jogo político, que me parece indissociável do começo da vida sexual do casal, pode se transformar numa dissimulação permanente. Existe uma séria tendência de que muitas mulheres não cheguem ao orgasmo. É perfeitamente compreensível e tratável a porcentagem de 30% de mulheres que não sentem orgasmo por possuírem algum tipo de disfunção orgásmica, e as causas desse problema podem ser variadas: o não amadurecimento sexual, hostilidade inconsciente em relação aos homens, receio em relação à machucar a vagina pela relação sexual, falta de conhecimento sobre o próprio corpo, o sentimento de culpa originado na religião/criação, deficiência em assumir um papel erótico, temor à satisfação plena, medo de engravidar, traumas sexuais (abusos, ou perda da virgindade com muita dor), conflitos conjugais, depressão, falta de atração, são alguns dos motivos que uma mulher poderia não ter um orgasmo. 30% das mulheres que fingem por anos e anos para o parceiro, provavelmente o fazem devido a algum tipo de problema como esses que citei, ou até mesmo de origem biológica. Para o restante, aproximadamente 40% das mulheres que não têm orgasmo, mesmo sem nenhum problema, a culpa do não gozo é exclusiva do homem. E acredite, ainda hoje com tanta informação, muita mulher não goza.
Quanto mais a mulher amadurece, maior é a sua capacidade de ter orgasmo, melhor ela se conhece, melhor ela conduz uma transa em direção ao seu objetivo. Ela ganha o direito e a sabedoria de manipular o homem, não no sentido pejorativo, mas manipular em favor do seu próprio prazer, do controle de todo o cenário. Entre as mulheres que têm orgasmo facilmente, que têm parceiros atentos e são resolvidas sexualmente, é interessante pensar que ainda nas preliminares elas já têm orgasmo, geralmente silencioso e sem alarde, nada que fizesse o homem achar que seja o maior orgasmo que ela já teve, mas conforme a transa ascende e derrete o corpo, ela usa seus gemidos com mais intensidade quando percebe que seu parceiro está tendo um orgasmo, inexplicavelmente ela geme mais nesse momento do que no próprio orgasmo dela. O homem funciona achando que esse momento é também o orgasmo dela e ela faz isso para dar mais prazer ao homem. É um momento que sobre o qual pouco se fala. Ele acha que a leva aos pés da deusa Afrodite e ela pensa: - “bobinho!”. O fato é que esse caso não é um caso típico de fingimento, é uma brincadeirinha engraçada de adultos, se levar mais a sério, talvez seja uma má interpretação de sinais, uma vez em que ela já pode ter gozado várias vezes sem que o homem tenha percebido. É o tipo da coisa que se explicar perde a graça, assim como a poesia dos mitos evapora com a presença da ciência.
Por outro lado, fingimento inócuo, vazio, apenas por incapacidade de conversar com o parceiro, não me parece ser uma saída inteligente. Nessa guerra onde só têm feridos, a mulher perde, o homem perde, a relação perde. Existe na floresta social o homem que realmente está preocupado com a mulher, todavia, a natureza fabrica em maior quantidade o homem incompetente, que queima etapas, que pula as preliminares e enxerga na penetração seus minutos gloriosos de virilidade. Este homem é sem sal, sem sonho, sem poesia, carente de ritmo que o faça dançar no mesmo compasso em que dança o coração de sua mulher. Parte do caos sexual em que estamos sufocados é culpa desse homem, e o máximo que vai conseguir na sua pobre vida sexual é mais uma mulher que finja.
Se sexo fosse uma partida de futebol, o que valeria ter pago seu ingresso? Um jogo fantástico cheio de dribles geniais e emocionantes, aplausos e jogadas incríveis, mas que no final não tivesse um gol? Ou um jogo mixuruca, pobre, apático e chato de ver, mas que fechasse com um gol? Acredite, a maior parte das mulheres ficam com a primeira definição...
Allê Barbosa - 16 de Agosto de 2011
4 Comentários:
Às 10:08 PM , Lenna * disse...
Verdade, ótimo trabalho Allê !
Às 12:54 AM , Anônimo disse...
Gostei de passar por aqui e encontrar um texto recente. Voltarei mais vezes a buscar novidades e também fazer releituras do passado.
azul
Às 11:39 AM , Helena Meyer disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Às 11:39 AM , Helena Meyer disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
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