Armazém Cheio de Assunto

Para quem gosta de pensar no sim e no não, no antes e no depois, o "Armazém" é o lugar certo. Pode entrar, beba da minha "cachaça" sem parcimônia... Este é um Blog com crônicas afetivas que tenho escrito ao longo de um tempo, ou talvez, um ópio que produzo e uso.

terça-feira, dezembro 19, 2006

Intimidade é outra coisa


O céu de Galileu tinha pouca poesia, mas a intimidade que Galileu tinha com a astronomia era como trazer o céu para dentro dele. E o que é ser íntimo? Intimidade começa em você, com a sua gravidez de amor, sua imagem refletida no espelho do banheiro, com a amizade doce que você consegue produzir e seduzir os paladares mais desafiadores. Transmite-se intimidade pelo toque, pela língua não vazia, através dos olhos e do aspecto curioso que repousa em você. Até um jegue é íntimo dele mesmo, é simples assim. Intimidade é proximidade de alguma coisa ou de alguém. Não acho que ter intimidade seja ter senhas do e-mail ou MSN do marido, fazer xixi ou ficar nua na frente do namorado, contar piadas de virgindade pro pai da namorada, abrir geladeira de amigo e acabar com tudo, conseguir falar de assuntos embaraçosos com colegas, etc. Isso pode ser invasão, insegurança, cara de pau, comportamentos até normais. Cá entre nós, hoje não tem mais isso de "coisas normais". Liguei a TV essa semana e um cara desses sensacionalistas começou um jornal local aqui na Bahia batendo na mesa e dizendo: “Boa tarde! O pau vai comer hoje na casa de Noca”. Quem é Noca?

Intimidade é outra coisa, é afinação. Este é um termo bastante apropriado, pois é uma ferramenta pra vida seguir seu ritmo sem olhar para os lados, e ela não olha mesmo. Penso em sons de intimidade que estão sempre acontecendo: o som do mar com o vento nos coqueirais, das palavras sinceras com o gozo do casal apaixonado, dos compassos mudos com uma hora de sossego. Às vezes o vento faz uns barulhos esquisitos em nossas orelhas, bagunça os cabelos, mas com essa esquisitice ele pode estar afinando a nossa alma. Sobre cabelo eu entendo um pouco, o vento não se dá com meu cabelo de nuvem. Meu cabelo além de ser à prova d`água, se parece com uma casa de cupim africano (nem sei se existe esse tal cupim, mas se existir é um cupim blackpower). Enfim, meu cabelo rebelde suga o vento e nunca mais ele consegue sair de lá de dentro. Mas sou uma vida afinada, imprimo certa beleza no que toco, desperto alguma coisa boa nas pessoas que me cercam. Absorvo coisas boas.

Afinação é o meio que a música encontra para acontecer bonita em nossos ouvidos. A música carrega mensagens que mexem da menor partícula do corpo até o menor pedaço da alma, mesmo que esta música não carregue letra. Perdoem-me os aficionados por “piriri-pompom piriri-pompom”, mas quando falo de música não me refiro a certos carrapatos musicais que nos cercam a toda hora em qualquer lugar. Música descartável é como masturbação de menino, mas de um menino que nunca vai crescer para ter transas de verdade em sua vida. Vai viver sempre de coceirinhas incompletas.

Intimidade é outra coisa, é muito mais abrangente do que se parece. Música também é outra coisa. Marisa Monte tem intimidade com a voz dela, aliás, voz é o instrumento mais belo que Deus conseguiu fazer vir a existir. Aquela mulher quando canta amacia o ouvido da gente, faz a alma se aquietar um pouco. O som da voz dela é aveludado, entra na gente e não sai mais, se guarda lá dentro e às vezes tropeça nas tacinhas de lágrimas que ficam guardadas para os nossos brindes especiais, preenche cada cantinho da alma e nos defende das invasões e dos estupros musicais que estamos destinados a sofrer nesta vida.

Intimidade é cuidar de quem está ao seu lado, é fazer da admiração um bem maior. Intimidade é compreender apenas um olhar entre tantos outros que uma certa pessoa tem bem escondidos. O olhar que ela me olhou hoje me contou uma história em 5 segundos, sua boca não se abriu por um tempo, mas no mesmo momento entrei naquele jeito que ela se mostrou nos olhos. Mesmo sem uma régua consigo medir a extensão dos sorrisos dela, das chateações às alegrias. Intimidade é ser acariciado pela voz dela, é achar onde fica a fábrica de sorrisos que ela tem e querer trabalhar nessa fábrica. Ser íntimo é estar próximo, ser a vontade que poderia fazer o tempo parar, ser a conexão entre a saudade e os abraços dela, se sentir privilegiado, ser a razão da ponte existir por cima de um rio da vida. Ser íntimo é poder contar com ela.

Intimidade pode ser também o não saber. Não saber como ela consegue ser tão graciosa e não saber como me tornei tão íntimo dela.

Allê Barbosa

e-mail: alledimitri@hotmail.com

14 de dezembro de 2006

4 Comentários:

  • Às 8:56 PM , Anonymous Anônimo disse...

    Pois é...
    Intimidade é isso tudo.
    Intimidade é ouvir, cantar e ler algo que nos revela, ao tempo em que revela o sentimeto e a idéia do autor.
    Sou íntima do que me revela, do que me traduz.
    Acho que seus textos fazem isso com os leitores.
    A teoria Junguiana está materializada ai, nesse momento em que nos encontramos e nos revelamos.
    Parabéns mais uma vez!
    Laudicéia Tatagiba

     
  • Às 6:40 PM , Anonymous Anônimo disse...

    Parabéns Allê, um dia quero entrar em uma livraria e poder comprar o seu... torço muito pro seu sucesso como músico e como escritor...

     
  • Às 6:58 PM , Anonymous Anônimo disse...

    voce também é um divagador.

     
  • Às 7:26 PM , Anonymous Anônimo disse...

    Adorei "Intimidade"! Me fez pensar o qto já fui íntima um dia, o quanto já não fui e o quanto estou sendo agora!!
    É maravilhoso ler seus textos, todos! Quando começamos, queremos ir até o final! (Isso prova que é bom, né?!) rss..
    Bjãooooooooooo!! Marina!!

     

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